Uma palavra vai nos levando a outras palavras, a outros enunciados, a outros lugares. As palavras são assim. Algumas vezes elas nos levam mesmo é para lugar nenhum. Ou então, na maioria das vezes, para o lugar-comum da rotina, do mesmo e do já sabido. Mas essas mesmas palavras - e isto é impressionante - também têm o poder de fazer desvios e nos fazer chegar a paragens desconhecidas e formidáveis.
Quando desconfio que elas estão me desviando para novas paragens, já sei que demorarei a voltar. Foi justamente o que me aconteceu depois de ler o verso:
"Quando vou p'ra dar batalha, convido meu coração"
Esse verso não me chegou por conta de um acaso espantoso. Na verdade, eu busquei por ele. E o encontrei numa dessas aventuras labirínticas do google em busca de nomes e palavras. Ele está presente na obra Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, na Canção de Siruiz:
urubu é vila alta
mais idosa do sertão
padroeira minha vida
vim de lá, volto mais não
corro os dias nesses verdes
meu boi mocho baetão
buriti, água azulada
carnaúba, sal do chão
remanso de rio largo
viola da solidão
quando vou p'ra dar batalha
convido meu coração
Quando descobri que este era o meu verso, meu dia parou. E como se não bastasse ainda achei uma adaptação e interpretação de Antonio Candido para a canção, que me deixou emocionada. Não consigo parar de ouvi-la...
Para quem quiser correr o risco de se encantar, como eu, é só acessar o endereço abaixo:http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u416656.shtml
Tudo isso para dizer que encontrei as palavras que eu queria, que elas me levaram a um lugar inesperado, que vou guardá-las no coração e que lembrarei delas durante as batalhas difíceis.
Mas não era para mim que eu queria essas palavras. Elas eram para eu realizar um ritual que inventei (para desejar que tudo dê certo!) sem rezar para os santos. É que em rezar eu não acredito, mesmo achando tão bonito.
Eu sei que os homens e os santos não deixarão de ver nesse ritual (meio esquisito?) uma forma de rezar. Eles podem, talvez, ver graça na "escolha" de dois nomes da literatura brasileira como os seus porta-vozes para os meus votos. Mas eu também sei que Guimarães Rosa e Antonio Candido não poderiam ser padrinhos melhores neste caso para - através das palavras de um, da voz de outro e da importância de ambos em nossa história - levar o meu desejo de boa sorte aonde ele deve ir.