sábado, 31 de dezembro de 2011

O que a memória ama...


"O que a memória ama fica eterno" (Adélia Prado)

Um ano passa, os anos passam, o tempo passa. Mas tudo o que realmente importa resiste ao tempo e se transforma em memória. Que o próximo ano nos traga novas e lindas memórias!!! Feliz 2012!!!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Defensa de la alegría (Mario Benedetti)


Defender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas

defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos

defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias

defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres

defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa

defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar
y también de la alegría.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

As saudades...


Chega o final do ano e eu começo a pensar em tantas pessoas queridas! E fico cheia de saudades...

Saudades alegres
          de risadas compartilhadas;

Saudades tristes
          de partidas;

Saudades cheias de ternura
          de quando as palavras não são necessárias;

Saudades de pequenos momentos (geralmente segundos)
          grandes demais para caber no espaço e no tempo;

Saudades perigosas
          que eu não entendo (ou não quero entender);

Saudades incondicionais
          que não entendo (e (não) quero entender)
                      e que cortam “como aço de navaia”...

Todas essas saudades se misturam nas lembranças, mas a mistura é sempre diferente, seja com a família, seja com os amigos, seja com os amores...

As únicas saudades que incluem todas as outras são as incondicionais. Mas as outras também são imprescindíveis na minha vida, mesmo (ou, talvez, principalmente!) as perigosas. 

sábado, 10 de dezembro de 2011

Janela acesa


Aquela última janela acesa
no casario
sou eu... 

 Mário Quintana

Dia C


Como a dama-da-noite é uma das minhas flores preferidas... como é madrugada... e como já é o dia da Clarice... lembrei destas palavras dela:

Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com o seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas e dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém agüenta. Mas eu agüento porque amo o perigo.

C. Lispector

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Pré-requisito


"E que seja tida por nós como falsa toda verdade que não acolheu uma gargalhada."

Nietzsche
.
.
.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Respirar




"Tenho várias cicatrizes, mas estou viva. 
Abram a janela. Desabotoem minha blusa. Eu quero respirar" 

Pagu


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pan tumaca a la Clau


Num desses dias de conversa via skype com o meu irmão Marcos, eu no Brasil e ele na Espanha, desandamos a falar de comida. 

O assunto surgiu, acho, quando comentei que meu dia não começa direito se fico sem café com leite e pão na chapa. Aí veio a curiosidade de saber qual é o café da manhã dos espanhóis. O Marcos disse que é o pan tumaca, uma receita catalã, super saudável, feita de pão fatiado assado com tomate e azeite por cima. 

Não sei se foi bem assim que ele descreveu a iguaria, mas fiquei com água na boca. Depois da conversa, resolvi procurar a "cara" do pan tumaca na internet, mas nem me dei ao trabalho de copiar uma receita. É simples demais, não tem erro. A descrição sucinta do meu irmão e a foto que encontrei já são suficientes - pensei.

Quando ele veio ao Brasil visitar a família, decidi fazer pan tumaca para ele. E, com toda a certeza do mundo, lá fui eu comprar os ingredientes e preparar a especiaria...

Ingredientes
  • pão tipo banette, do Olivier Anquier (no Pão de Açucar tem. Mas pode ser pão italiano ou outro tipo que seja crocante por fora e massudo por dentro)
  • tomates italianos
  • um pouquinho de sal 
  • azeite português (pode ser outro, mas tem que ser bom)


     
    Modo de fazer
    1. Corte o pão em rodelas de mais ou menos um centímetro e meio e reserve. 
    2. Numa tigela, rale o tomate com casca e tudo, adicione um pouco de sal e misture. 
    3. Espalhe um garfo cheio do tomate em cada fatia de pão. Se sobrar caldinho de tomate na tijela, distribua-o sobre os pães. 
    4. Em seguida, despeje azeite sobre cada fatia e leve os pães ao forno médio. 
    1 e 2: pão cortadinho e tomate ralado, temperado com um pouco de sal.
    3: preparação do pan tumaca
    4: pan tumaca preparado, regado de azeite e prontinho para ir ao forno
     


    O pan tumaca estará pronto quando os pães estiverem crocantes por fora, mas ainda macios e molhadinhos por dentro e quando os tomates estiverem um pouco assadinhos. 

    Depois de pronto, despeje mais um pouco de azeite sobre as fatias - sem encharcar o pão, mas também sem economizar, senão fica sem graça - e sirva quente.

    Fotos tiradas durante uma noite gelada de inverno... ^_^

    Fiz o pan tumaca durante um jantarzinho em casa, com frisante bem gelado, pois estava calor. Todos gostaram e pediram a receita, que comecei a passar, toda convencida. Mas, no meio da explição, o Marcos me interrompeu e disse que a receita catalã era diferente. Só o pão que vai ao forno. O tomate é colocado depois, frio mesmo. 

    Esse Pan tumaca "inventado" meio que sem querer é diferente do original, que tive a oportunidade de provar depois e que também é muito bom. Os ingredientes estrangeiros, os mal-entendidos e alguma imaginação podem resultar em misturas inesperadas e em boas surpresas. Para quem quiser se aventurar e experimentar essa receita simples e meio abrasileirada, bon profit!


    terça-feira, 18 de outubro de 2011

    Eu gosto


    Eu gosto do vento quando ele faz escândalos

    Eu gosto de ouvir o vento quietinha
    embaixo das cobertas
    ^_^

    Embaixo das cobertas
    e com os olhos abertos no escuro
    o_o

    Eu gosto de ouvir as rajadas do vento
    em mil acordes diferentes

    domingo, 9 de outubro de 2011

    Movimento


    eu gosto de vento nos cabelos 
    quando não tem vento 
    eu danço 
    eu in-vento 


    sábado, 8 de outubro de 2011

    PrimaVERÃO




    PrimaVERÃO - É quando vem aquela vontade urgente de colocar o vestido mais leve, fresquinho e florido, ir a pé até a feira - e para onde mais os pezinhos desejarem ir -, apreciar o movimento, sentir vento refrescando - mesmo que um pouquinho só - o dia quente, ensolarado e de céu bem azul!!!

    terça-feira, 4 de outubro de 2011

    Tudo o que eu fui prossegue em mim





    Noite Estrelada - Van Gogh*



    Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha - e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi? Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim. 


    Martha Medeiros


    * A cor foi mudada, para ficar no clima do blog



    terça-feira, 2 de agosto de 2011

    Desejar ser (Manoel de Barros)




    Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros.
    A sensatez me absurda.
    Os delírios verbais me terapeutam.
    Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
    (E sei de Baudelaire que passou muitos meses tenso porque não encontrava um título para os seus poemas.
    Um título que harmonizasse os seus conflitos. Até que apareceu Flores do mal. A beleza e a dor.
    Essa antítese o acalmou.)
    As antíteses congraçam.


    ...

    acordei e fui olhar pela janela
    estou ornando com a manhã da cidade
    meio nublada


    ...

    domingo, 31 de julho de 2011

    mihi suspirium









    Acendi um cigarro
    só de pirraça
    porque sou contra extremismos
    e porque eu precisava suspirar diferente...
    "O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar" (Mário Quintana)

    quinta-feira, 28 de julho de 2011

    Sorte







    Ontem, sem perceber, prendi dois trevos do meu vasinho na gaveta do arquivo. Quando vi o que fiz senti um aperto de tristeza. E trevo lá sente dor? Mas senti pena mesmo assim. Soltei os trevinhos, mas não tive coragem de arrancá-los do vaso.
    Hoje fui dar uma olhadinha neles e eles des-murcharam... Que bom! Nunca que eu poderia maltratar a sorte... Meus trevinhos entenderam!!!
    ; )


    sexta-feira, 15 de julho de 2011

    O Cisco - Manoel de Barros



    (Tem vez que a natureza ataca o cisco para o bem.)
    Principais elementos do cisco são: gravetos, areia,
    cabelos, pregos, trapos, ramos secos, asas de mosca,
    grampos, cuspe de aves, etc.
    Há outros componentes do cisco, porém de menos
    importância.
    Depois de completo, o cisco se ajunta, com certa
    humildade, em beiras de ralos, em raiz de parede,
    Ou, depois das enxurradas, em alguma depressão de
    terreno.
    Mesmo bem rejuntado o cisco produz volumes quase
    sempre modestos.
    O cisco é infenso a fulgurâncias.
    Depois de assentado em lugar próprio, o cisco
    produz material de construção para ninhos de
    passarinhos.
    Ali os pássaros vão buscar raminhos secos, trapos,
    asas de mosca
    Para a feitura de seus ninhos.
    O cisco há de ser sempre aglomerado que se iguala
    a restos.
    Que se iguala a restos a fim de obter a contemplação
    dos poetas.
    Aliás, Lacan entregava aos poetas a tarefa de
    contemplação dos restos.
    E Barthes completava: Contemplar restos é
    narcisismo.
    Ai de nós!
    Porque Narciso é a pátria dos poetas.
    Um dia pode ser que o lírio nascido nos monturos
    empreste qualidade de beleza ao cisco.
    Tudo pode ser.
    Até sei de pessoas que propendem a cisco mais do
    que a seres humanos.

    quinta-feira, 7 de julho de 2011

    Quando vou p'ra dar batalha, convido meu coração



    Uma palavra vai nos levando a outras palavras, a outros enunciados, a outros lugares. As palavras são assim. Algumas vezes elas nos levam mesmo é para lugar nenhum. Ou então, na maioria das vezes, para o lugar-comum da rotina, do mesmo e do já sabido. Mas essas mesmas palavras - e isto é impressionante - também têm o poder de fazer desvios e nos fazer chegar a paragens desconhecidas e formidáveis.

    Quando desconfio que elas estão me desviando para novas paragens, já sei que demorarei a voltar. Foi justamente o que me aconteceu depois de ler o verso:

    "Quando vou p'ra dar batalha, convido meu coração"

    Esse verso não me chegou por conta de um acaso espantoso. Na verdade, eu busquei por ele. E o encontrei numa dessas aventuras labirínticas do google em busca de nomes e palavras. Ele está presente na obra Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, na Canção de Siruiz:


    urubu é vila alta
    mais idosa do sertão
    padroeira minha vida
    vim de lá, volto mais não

    corro os dias nesses verdes
    meu boi mocho baetão
    buriti, água azulada
    carnaúba, sal do chão

    remanso de rio largo
    viola da solidão
    quando vou p'ra dar batalha
    convido meu coração


    Quando descobri que este era o meu verso, meu dia parou. E como se não bastasse ainda achei uma adaptação e interpretação de Antonio Candido para a canção, que me deixou emocionada. Não consigo parar de ouvi-la...

    Para quem quiser correr o risco de se encantar, como eu, é só acessar o endereço abaixo:
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u416656.shtml

    Tudo isso para dizer que encontrei as palavras que eu queria, que elas me levaram a um lugar inesperado, que vou guardá-las no coração e que lembrarei delas durante as batalhas difíceis.

    Mas não era para mim que eu queria essas palavras. Elas eram para eu realizar um ritual que inventei (para desejar que tudo dê certo!) sem rezar para os santos. É que em rezar eu não acredito, mesmo achando tão bonito.

    Eu sei que os homens e os santos não deixarão de ver nesse ritual (meio esquisito?) uma forma de rezar. Eles podem, talvez, ver graça na "escolha" de dois nomes da literatura brasileira como os seus porta-vozes para os meus votos. Mas eu também sei que Guimarães Rosa e Antonio Candido não poderiam ser padrinhos melhores neste caso para - através das palavras de um, da voz de outro e da importância de ambos em nossa história - levar o meu desejo de boa sorte aonde ele deve ir.

    domingo, 26 de junho de 2011

    Eu, certamente... (ou: negociando com o medo)


    ÂNGELA - Eu gosto de escadarias
    (Clarice Lispector - Um sopro de vida)




    20 de junho, primeiras horas:

    Uma de mim - Já fui tantas de mim. Quero ser algumas outras vezes. E outras que ainda não me conheço. Com medo, no impulso, de uma vez só. E devagarinho.

    20 de junho, depois que tudo passou:

    A mesma de mim, mas um pouquinho diferente - Que bom que eu estou aqui.

    Hoje, entre meio-dia e uma e meia da tarde (O tempo das palavras pensadas é um segundo. O tempo das palavras escritas é um mistério):

    Outra de mim, que tenta sempre colocar os meus pés no chão (mas que nem sempre consegue) - Como eu sou melodramática.


    Eu, me explicando para a outra de mim - É que o medo de tudo acabar de uma hora para outra me deixa apavorada.

    Eu, mas já outra, embora ainda a mesma - Mas passou e agora posso continuar com as ilusões das minhas certezas, porque algumas certezas vão acontecer mesmo! Que delícia de ansiedade louca.

    Eu, com certeza ((?) Odeio este ponto de interrogação) - Eu serei tantas, algumas, outras... Tem uma que eu quero ser mais! Quantas vezes eu puder...


    domingo, 8 de maio de 2011

    As três experiências (Clarice Lispector)





    Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O "amar os outros" é tão vasto que inclui até o perdão para mim mesma com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida . Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

    E nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.

    Quanto aos meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o vôo necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.

    Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.

    Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.


    -----

    Ainda me falta a terceira experiência. Imagino como deve ser, mas a imaginação deve ser muito diferente da realidade. Talvez um dia eu saiba... ; ) Um abraço enorme para todas as mães!!!!

    domingo, 17 de abril de 2011

    Os sonhos não avisam, a não ser...

    Os sonhos não avisam,
    a não ser quando os que sonham se sentem avisados.


    José Saramago




    Depois que o Saramago disse pra Carol dizer isso pra mim, brigo menos comigo quando ouso sonhar com os meus sonhos malucos.

    Afinal, as coisas mais importantes que desejei e consegui realizar eram "coisas malucas".

    Se essas coisas aparecem nos sonhos e me fazem sentir avisada, lutar para não desejá-las é um desperdício.

    Talvez sejam estes sonhos os que mais valem a pena.


    quarta-feira, 13 de abril de 2011

    barquinhos coloridos




    Quanto tempo faz que a metáfora da fonte do saber deixou de importar para a universidade? Nem me lembro. Mas sempre que passo pela praça do ciclo básico e vejo o chafariz sem água, fico triste e inconformada.

    Nessa semana que passou, no entanto, tive uma surpresa. O chafariz estava cheio. Não de água, mas de barquinhos de papel.

    Talvez outras pessoas, ao passarem por ali, também pensassem como eu penso. E talvez se sentissem um pouco como eu me sinto. Foi como se a água não faltasse apenas para mim. Que bonito ver o chafariz cheio de barquinhos coloridos navegando por águas invisíveis!


    domingo, 3 de abril de 2011

    Égoïstement



    Elle ne cherchait pas le plaisir d'autrui.
    Elle s'enchantait égoïstement du plaisir de faire plaisir.

    Simone de Beauvoir


    sexta-feira, 1 de abril de 2011

    Anagramas


    "Seriam os anagramas como esses rostos que se lêem nas manchas de tinta? (...) Por que não existiria uma iteração, uma palilalia geradoras que projetariam e redobrariam, no discurso, os materiais de uma primeira palavra, ao mesmo tempo não pronunciada e não calada?"


    As palavras sob as palavras

    Jean Starobinski


    segunda-feira, 28 de março de 2011

    as datas





    Uma data é um dia diferente (e não apenas um dia representado por um número em um calendário). A lembrança desse dia assim diferente, esse ritual cíclico rememorado no calendário, permite trazer para o presente um pouco do que foi inesquecível, fazendo com que aquilo que passou (que é desejo) continue existindo.


    domingo, 20 de março de 2011

    Poema em linha reta (Fernando Pessoa)


    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,

    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?

    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



    A melhor interpretação do poema:

    http://niilismo.net/poemas/poema_em_linha_reta.php

    segunda-feira, 7 de março de 2011

    Na ilha por vezes habitada (José Saramago)



    Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
    manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
    Então sabemos tudo do que foi e será.
    O mundo aparece explicado definitivamente e entra
    em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
    palavras que a significam.
    Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
    Com doçura.
    Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
    vontade e os limites.
    Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
    sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
    mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
    Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
    como a água, a pedra e a raiz.
    Cada um de nós é por enquanto a vida.
    Isso nos baste.

    domingo, 27 de fevereiro de 2011

    Antigamente (Carlos Drummond de Andrade)



    Com o meu vestido de domingo. Prontinha para ir ao cinematógrafo!


    Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.

    Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.

    Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.

    Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

    Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.



    domingo, 20 de fevereiro de 2011

    Dúvida do primeiro (?) poema...





    tempos, espaços e corpos
    pontos, traços e curvas
    que se desencontram
    se reencontram?
    mistério...

    16 de novembro de 2008.

    quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

    Meu novo mundo...





    Percorro todas as tardes um quarteirão de paredes
    nuas.
    Nuas e sujas de idade e de ventos.
    Vejo muitos rascunhos de pernas de grilos pregados
    nas pedras.
    As pedras, entretanto, são mais favoráveis a pernas
    de moscas do que de grilos.
    Pequenos caracóis deixaram suas casas pregadas
    nestas pedras
    E as suas lesmas saíram por aí á procura de outras
    paredes.
    Asas misgalhadinhas de borboletas tingem de azul
    estas pedras.
    Uma espécie de gosto por tais miudezas me paraliza.
    Caminho todas as tardes por estes quarteirões
    desertos, é certo.
    Mas nunca tenho certeza
    Se estou percorrendo o quarteirão deserto
    Ou algum deserto em mim.

    Manoel de Barros - Miudezas


    Foi somente depois de voltar de viagem, e um bom tempo depois, que senti falta dos meus óculos. E aí percebi que eles tinham ficado no velho mundo. Ao comentar sobre isso, um amigo respondeu dizendo que são necessários novos olhos para enxergar bem um novo mundo... Esta resposta coube direitinho no momento. Porque todas as vezes que volto do velho mundo, vejo este nosso novo mundo com outros olhos.

    A primeira vez que voltei foi muito difícil, por muitos motivos. Mas as outras vezes não. E esta última volta foi uma tranquilidade. Gosto muito de lá, mas gosto cada vez mais daqui...

    Que sensação agradável sentir o clima de calor e umidade, ver o céu carregado e escuro, o vento fazendo barulho, a chuva cair pesada, e o sol aparecer novamente!

    Que bom andar pelas minhas ruas de paralelepípedos, perceber o mato nascendo ao redor de tudo, e ver uma beleza estranha nos fios de alta tensão...


    quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

    sul americAna





    Sentindo

    respirando
    sendo
    de outra maneira
    e da mesma

    sul americAna


    "Te quiero Sur,
    Sur, te quiero".






    terça-feira, 18 de janeiro de 2011

    ´´´´´


    Quase vestida de sol

    vi a chuva
    em cima do morro.

    Manoel de Barros


    segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

    Morta de medo e viva de esperança...


    El atado




    Escribir sin contar es como vivir sin vida. Las palabras serán inocentes, pero no su relación. El contador traza una columna del "debe" y otra del "haber" y en la última anota los silencios que supo conseguir. Con las caras de una palabra quisiera hacer piedras y mirarlas todas hasta el fin de mis días. Esas caras siempre tienen otras fugitivas de la boca. Morder la piedra, entonces, es la tarea del poeta, hasta que sangren las encías de la noche. En esa noche navegará sin rumbo fijo, desconfiado de todo, en especial de sí, mirando espejos que cantan como sirenas que no existen. El poeta se atará al palo mayor de su ignorancia para no caer en sí mismo, sino en otro país de aventura mayor, muerto de miedo y vivo de esperanza. Sólo el dolor lo unirá muertovivo al vacío lleno de rostros y verá que ninguno es el suyo. Y todos serán libres.

    Juan Gelman


    domingo, 16 de janeiro de 2011

    v v v v v

    Andorinhas passeiam
    na chuva
    e no meu ocaso

    Manoel de Barros


    sábado, 15 de janeiro de 2011

    Porque passei pela Argentina...





    Confianzas (Juan Gelman)

    se sienta a la mesa y escribe
    “con este poema no tomarás el poder” dice
    “con estos versos no harás la Revolución” dice
    “ni con miles de versos harás la Revolución” dice

    y más: esos versos no han de servirle para
    que peones maestros hacheros vivan mejor
    coman mejor o él mismo coma viva mejor
    ni para enamorar a una le servirán

    no ganará plata con ellos
    no entrará al cine gratis con ellos
    no le darán ropa por ellos
    no conseguirá tabaco o vino por ellos

    ni papagayos ni bufandas ni barcos
    ni toros ni paraguas conseguirá por ellos
    si por ellos fuera a la lluvia lo mojará
    no alcanzará perdón o gracia por ellos

    “con este poema no tomarás el poder” dice
    “con estos versos no harás la Revolución” dice
    “ni con miles de versos harás la Revolución” dice
    se sienta a la mesa y escribe






    quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

    13-01-11; -22.9022611; -47.0517233

    Ainda me lembro
    do acontecimento
    daquele janeiro
    em que nada aconteceu

    ou que eu imaginei...

    mas era melhor
    não acontecer
    não pensar
    esquecer
    era melhor

    eu imaginei...

    mas até hoje
    eu me lembro
    que não aconteceu

    ou que eu imaginei...

    ainda hoje
    eu me pergunto
    se não era melhor
    acontecer

    se foi o que eu realmente imaginei...

    até hoje
    quando eu esqueço
    o que aconteceu

    aquilo tudo que eu imaginei...

    o que aconteceu
    teima em acontecer
    novamentenovamentenovamente

    eu imaginei?

    em sonhos
    que eu não pedi para sonhar
    novamente
    para me lembrar

    do que eu não sei se não imaginei...

    ...


    Soneto XVII

    No te amo como si fueras rosa de sal, topacio 

    o flecha de claveles que propagan el fuego: 
    te amo como se aman ciertas cosas oscuras, 
    secretamente, entre la sombra y el alma. 

    Te amo como la planta que no florece y lleva 
    dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores, 
    y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo 
    el apretado aroma que ascendió de la tierra. 

    Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde, 
    te amo directamente sin problemas ni orgullo: 
    así te amo porque no sé amar de otra manera, 

    sino así de este modo en que no soy ni eres, 
    tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía, 
    tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

    Pablo Neruda - Cien sonetos de amor (1959)