sábado, 11 de dezembro de 2010

El vino...


¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa

Conjunción de los astros, en qué secreto día

Que el mármol no há salvado, surgió la valerosa


Y s
ingular ideia de inventar la alegria?

Co
m otoños de oro la inventaron.

E
l vino fluye rojo a lo largo de las generaciones

Como el río del tiempo y en el arduo camino


Nos pr
odiga su música, su fuego y sus leones.

En la noche del júbilo o en la jornada adversa


Exalta la alegria o mitiga el espanto

Y el ditirambo nuevo que este día le canto


Otrora lo cantaron el árabe y el persa.


Vino, enseñame el arte de ver mi propia historia


Como si ésta ya fuera ceniza en la memória.


Jorge Luiz Borges - Soneto del vino





domingo, 31 de outubro de 2010

A Disfunção (Manoel de Barros)

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de
a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso
trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.
1 - A aceitação da inércia para dar movimento às
palavras.
2 - Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 - Percepção de contigüidades anômalas entre
verbos e substantivos.
4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 - Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 - Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
importância aos passarinhos do que aos senadores.

domingo, 10 de outubro de 2010

Bolo de cenoura com chocolate II



A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta

Mário Quintana

Alguém andou dizendo pra mim que, esteticamente, o primeiro bolo de cenoura com chocolate que fiz aqui no meu apê não estava lá grande coisa. Ah, a gente tem cada amigo abusado! rsrs... Mas, talvez para não correr o risco de sofrer alguma vingança, ele amenizou o comentário, acrescentando que, apesar disso, o bolo deve ter ficado gostoso. É... verdade seja dita: depois de experimentar o bolo já frio foi que notei o quanto ele ficou doce - além de feinho mesmo... :(

Assim, para salvar a minha fama de exímia cozinheira, construída e difundida há mais de dez anos pelos frequentadores da cantina do IFCH e entorno, não vi outra saída senão a de jogar tudo fora.

Bão... é preciso saber que um estado de espírito empolgado não resulta necessariamente num bolo lindo e delicioso. E, principalmente, mas isso eu fiquei sabendo agora, que não se deve substituir, na mesma quantidade, açucar refinado por açucar orgânico!

Ok. E como uma boa cozinheira é também uma cozinheira teimosa, lá fui eu para uma nova tentativa. Desta vez, com menos empolgação e mais concentração. E não é que agora tudo correu perfeitamente bem? O bolo ficou lindão!!!

Ó, ó, ó:



Ah, sim, e o mais importante; ficou delicioso!!!


em close!!!



terça-feira, 5 de outubro de 2010


"Seja o tipo de mulher que, quando seus pés tocam o chão a cada manhã, o diabo fala:

- Oh droga, ela acordou!"

sábado, 25 de setembro de 2010

Ouse...

Ouse, ouse... ouse tudo! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!

Lou Salomé

sábado, 18 de setembro de 2010

Bolo de cenoura com chocolate



Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.

trecho de Aninha e suas pedras, de Cora Coralina


Hoje fiz o meu primeiro bolo de cenoura com chocolate aqui no meu apê. Por um triz a arte não deu um trabalhinho extra, porque o bolo transbordou um tiquinho... É que o fermento era novo e a cozinheira empolgada! Mas no final das contas deu tudo certo... O bolo ficou fofinho e apetitoso, do jeito que deve ser pra gente receber elogios!

Receita

Numa travessa, misture:
- duas xícaras cheias de farinha
- duas xícaras rasas de açucar
- uma colher de sobremesa de fermento

Bata no liquidificador:

- uma xícara e meia de óleo
- seis ovos
- duas cenouras pequenas cortadinhas

Misture os ingredientes secos e molhados, despeje tudo numa fôrma untada com manteiga e leve ao forno pré-aquecido, à 180°C.

Cobertura

- um pote de achocolatado (eu uso toddy, e sem pão-durice)
- uma colher de sobremesa de manteiga
- um pouco de água

Leve ao fogo, deixe ferver e engrossar um pouquinho. Fure o bolo com um garfo e, em seguida, jogue uma parte da cobertura por cima. Essa cobertura precisa ser meio líquida (mas não muito) para que entre dentro do bolo. Deixe o restante da cobertura engrossar mais um pouco. Desligue o fogo e continue mexendo até que a calda começe a arear. Espalhe essa cobertura mais espessa por cima do bolo. Quando a cobertura secar, ela vai ficar crocante!
Et... voilà:


"é péssimo cozinheiro aquele que não pode lamber os próprios dedos"
(frase atribuída à Shakespeare)



Alguém disse uma vez que não é recomendável roubar um pedacinho do bolo antes que ele esteja pronto. Mas não fui eu (que disse...).

domingo, 12 de setembro de 2010

O Menino que Carregava água na Peneira (Manoel de Barros)

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

o menino fazia prodígos.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

sábado, 28 de agosto de 2010

Ah, palavra...





Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei.

Manoel de Barros

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Viajando...






Eu que nasci na era da fumaça: – trenzinho
vagaroso com vagarosas
paradas
em cada estaçãozinha pobre
para comprar
pastéis
pés-de-moleque
sonhos
principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham olhar o trem passar:
elas suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito de ali ficar morando
sempre... Nisto,
o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir
é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente!
no entanto
eu gostava era mesmo de partir
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.

Poema Transitório

Mário Quintana



As "férias" estão no finalzinho e a minha rotina entre Campinas e moNTANhas vai recomeçar. Não nasci na era da fumaça, mas queria que os trens voltassem! As estações, por mais pobres que possam ser, são muito mais charmosas do que os terminais rodoviários... Gosto de viajar, olhar a paisagem da janela e sonhar acordada. Às vezes vejo uma casinha bem no topo de uma montanha bem desenhadinha. Que lindo! Sinto como se eu estivesse em outro tempo. Mas não é isso. Há muitos tempos diferentes a um só tempo. Como eles conseguem viver ali? Como viver sem supermercado, sem cinema, sem cruzamentos e semáforos, sem todo o tipo de coisa supérfula que uma cidade produz? Ora, todas essas coisas não substituem um céu estrelado! Eu sou uma tonta por gostar tanto de morar na cidade...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Désir







dia ensolarado da janela, minhas flores brotando coloridas, banho quentinho, saudade de carinho, cidade acordando, vozes, buzinas e às vezes passarinhos...



quinta-feira, 17 de junho de 2010

Devaneio


Queria poder me entregar, agora, ao devaneio
voar num carrossel iluminado
mergulhar na insegurança da falta de nitidez

opacidade hipermétrope
de cores velozes e difusas
das coisas ao meu redor

queria ver tudo como uma aquarela em movimento
atravessar as luzes suspensas no ar

queria, agora e um pouco depois de agora
ir não sei para onde e chegar onde nunca estive
sentir justificada a minha existência


Eu amo todas as loucuras que me justificam


terça-feira, 1 de junho de 2010

Um pouco de Nietzsche...

"Superstição da simultaneidade – Coisas que ocorrem simultaneamente têm ligação, acredita-se. Um parente morre longe de nós, e ao mesmo tempo sonhamos com ele – portanto... mas morrem inúmeros parentes e não sonhamos com eles. O mesmo acontece com os náufragos que fazem votos : não se vê depois, na igreja, os ex-votos dos que pereceram. – Uma pessoa morre, uma coruja pia, um relógio pára, tudo na mesma hora da noite: não haveria uma relação entre essas coisas? Tal pressentimento supõe uma intimidade com a natureza que lisonjeia o ser humano – Reencontramos esse tipo de superstição numa forma refinada, em historiadores e em pintores da civilização, que costumam experimentar uma espécie de hidrofobia ante todas as justaposições sem sentido, nas quais é pródiga a existência dos indivíduos e dos povos".

Nietzsche - Humano, demasiado humano

sábado, 22 de maio de 2010

Mais Quintana...



Inscrição para uma lareira




A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...


segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mais Manoel de Barros...






Glossário de transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) - ou menos


Poesia, s.f.

Raiz de água larga no rosto da noite
Produto de uma pessoa inclinada a antro
Remanso que um riacho faz sob o caule da manhã
Espécie de réstia espantada que sai pelas
frinchas de um homem

Designa também a armação de objetos lúdicos com
emprego de palavras imagens cores sons etc. -
geralmente feitos por crianças, pessoas
esquisitas, loucos e bêbados


Poeta, s.m. e f.

Indivíduo que enxerga semente germinar e
engole céu
Espécie de vasadouro para contradições
Sabiá com trevas
Sujeito inviável: aberto aos
desentendimentos como um rosto


Manoel de Barros. "Arranjos para o assobio". Gramática Expositiva do Chão. Rio de Janeiro: Record, 1992.


domingo, 18 de abril de 2010

Um dos meus livros preferidos de Michel Pêcheux...

De todos os livros escritos por Michel Pêcheux, prefiro todos. Mas, talvez por causa das pesquisas sobre a história da lingüística realizadas em minha tese, a obra A língua inatingível (La langue introuvable, em francês), de Françoise Gadet e Michel Pêcheux (1981), é a que mais consulto, leio e releio. Eis uma das partes que prefiro, acompanhada de uma nota de rodapé, essencial, incontornável e muito divertida:


“Se o objeto da lingüística consiste no duplo fato de que existe língua e existem línguas, é necessário pensar no momento de sua divisão que, aliás, é a imagem de Babel: o mito apresenta a divisão das línguas coincidindo com o começo do Estado, do direito, das ciências e do prazer sexual... logo, com o começo de um impossível retorno ao paraíso perdido, contemporâneo mesmo dessa perda.

A lingüística, ciência da língua e das línguas, ciência da divisão sob a unidade, traria assim, inscrito em seu destino o desejo irrealizável de curar a ferida narcísica aberta pelo conhecimento da divisão. Seria esse destino que induz a estranha propensão da lingüística de resvalar na ignorância? Essa surdez interna ganha terreno cada vez que a lingüística deixa o real da língua, seu objeto próprio, e sucumbe às realidades psicossociológicas dos atos de linguagem que – pelo viés da designação, do contrato, do imperativo ou do performativo – terminam em histórias de maçãs (1)” (p. 19).

(1) Esse fruto empírico-teológico desempenha um papel importante nas reflexões lingüísticas e lógico-lingüísticas, seja nas demonstrações, seja nos exemplos. Algumas maçãs foram comidas uma vez ou outra em Chomsky e também nos lógicos como Reichenbach ou Quine. De modo mais ambicioso, o matemático R. Thom recorre ao enunciado Eva come uma maçã (Modeles mathèmatiques de la morphogenèse) para definir seu “processo de predação”, no qual o objeto desaparece sem que o sujeito (Eva, na ocorrência) seja de forma alguma afetado! Esse mesmo fruto permite que Bloomfield exponha sua teoria behaviorista do sentido. Quando Jill está com fome (“alguns de seus músculos se contraem e são produzidas algumas secreções, sobretudo em seu estômago”), pede a Jack (em uma “resposta-substituta” ao estímulo da fome) para pegar uma maçã para ela, o que ela faz (Langage, cap. 2). Em L’Ordre medical (Seuil, 1978) [Clavreul, J. A ordem médica: poder e impotência do discurso médico. SP: Brasiliense, 1983], Jean Clavreul comentará: “Jill poderia muito bem ter qualquer outra coisa, diferente de uma maçã, para pedir a Jack, como por exemplo, brincar de Adão e Eva, pois é provável que Jill e Jack já tenham ouvido falar de histórias de maçãs e paraíso terrestre, como você e eu (e muito certamente Bloomfield, Chomsky e Lyons, se bem que eles não digam nada sobre isso; mas é dessa forma que se manifesta o recalque pelo discurso ‘científico’)” (p. 41)” (PÊCHEUX & GADET, 1981, p. 24 e 25).



Referência Bibliográfica

PÊCHEUX, Michel & GADET, Françoise (1981) A Língua Inatingível. O Discurso na História da Lingüística. Campinas: Pontes, 2004.

domingo, 28 de março de 2010

Lembranças com cheiro de pipoca doce


Trezentos e sessenta e cinco dias atrás...


Ela: Como será que eles fazem pra pipoca ficar assim tão gostosa, sem pedaço de semente?
Ele: Eles devem fazer com pipoca sem semente.
Ela: Hummm... acho que isso não é muito possível...
Ele: Não??
Ela: É... não é muito possível pipoca sem semente...
Ele: É mesmo, né?!!!
Ela e ele: Hahahaha!!!

Doces lembranças são como pipocas mágicas que perfumam o parque numa tarde ensolarada...

sexta-feira, 5 de março de 2010

O fim de um caminho é o começo de outro...



Março sempre me traz algo novo. Neste ano, março começa para mim com um novo trabalho, um novo caminho. Um começo há muitos anos aguardado...

Feliz caminho novo e muita promessa de vida com as águas de março!!!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um dos meus poemas preferidos de Manoel de Barros...



Matéria de poesia


Todas as coisas cujos valores podem ser disputados no cuspe à distância servem para poesia.

O homem que possui um pente e uma árvore serve para a poesia.

Terreno de 10 por 20, sujo de mato, e os detritos que nele gorjeiam, como, por exemplo, latas, servem para poesia.

As coisas que levam a nada têm grande importância.

Cada coisa ordinária é um elemento de estima; cada coisa sem préstimo tem seu lugar na poesia.

As coisas que não pretendem, como, por exemplo, pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para poesia.

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado, como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia.

Os loucos de água e estandarte servem demais para a poesia.

O traste é ótimo, o pobre-diabo é colosso.

As pessoas desimportantes dão para a poesia.

Qualquer pessoa ou escada, o que é bom para o lixo é bom para a poesia.

As coisas jogadas fora têm grande importância.

Um homem jogado fora também é objeto de poesia.

Aliás, saber qual o período médio que um homem jogado fora pode permanecer na terra sem nascerem em sua boca as raízes da escória também dá poesia!

Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia.


Riscos...





De que adianta você ter esta alma colada aos ossos dessa carne errada?

Sem o risco, a vida não vale a pena.

Se você não quiser arriscar, não comece.

Isso quer dizer, se você arriscar, perder namorada, esposa, filhos, emprego, a cabeça, e até a alma.

Mas, é sempre melhor isso do que olhar para todas essas outras pessoas que nunca acertam porque nunca se propõem ao risco.



W. Goethe





Tomando o sentido de 'perda' como 'perda de laços', nunca ousaria correr algum risco que implicasse em perder os laços com meus filhos. Arriscaria perder mil namorados, mil casamentos, o emprego e até a alma, mas nunca um filho. É engraçado pensar nessa impossibilidade sem nem mesmo ter passado pela experiência de ser mãe. Aliás, nem sei se quero mais ser mãe. Acho que não.

Excetuando essa impossibilidade, as palavras de Goethe me fascinam inteiramente. Sinto que o meu dever é correr todo o risco que valer a pena. Pouco me importa o que pensem, eu sonho os sonhos mais loucos, realizo os vôos mais altos! Então, claro, vivo caindo e me machucando. Mas, apesar da dor da queda, nunca me esqueço dos instantes de felicidade que senti e que, talvez, também proporcionei. Não deixo de me sentir grata pela riqueza da experiência vivida.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Um dos meus poemas preferidos de Machado de Assis...

Uma Criatura

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois esta criatura está em toda a obra;
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.


Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.







sábado, 20 de fevereiro de 2010

Fazer, desfazer, refazer...




Refazendo tudo, refazenda...

Gilberto Gil




Nem sempre, ou melhor dizendo, quase nunca conseguimos fazer tudo tão bem quanto desejamos. Mas acreditar nessa possibilidade para toda e qualquer ação é uma ilusão deliciosa.

Pensando nisso, não posso deixar de lembrar de um fato do cotidiano que, para mim, teve muito valor. Foi quando fiz um bolo de cenoura com chocolate que saiu exatamente do jeitinho que eu queria. Meu irmão o chamou de "o bolo perfeito"...

Não, não passo dias e dias pensando em como fazer um bolo da melhor maneira, embora tenha que confessar que já dediquei bons momentos pensando em como aprimorar as minhas receitas. E quando saiu o tal do bolo perfeito, com toda a vaidade do mundo, fiquei tentando rememorar cada etapa para poder refazer tudo novamente, prazeirosamente, perfeitamente...

Por outro lado, também não posso deixar de lembrar de tanta coisa queria ter feito e acabei não conseguindo. Tanta coisa... Lembro aqui do que não escrevi na minha dissertação de mestrado, na minha tese de doutorado, nos meus artigos e, claro, neste blog. A verdade simples é que acabamos sempre fazendo o que é possível diante das circunstâncias em que estamos.

Estou sempre pensando no quanto posso fazer com aquilo que ainda não fiz. Em fazer coisas novas e refazer algumas coisas já feitas. Em me fazer sempre e me desfazer quando as coisas não dão certo. Enfim, em me refazer a cada nova "atuação", de acordo com o meu "placitum", conforme define Nietzsche (ver postagem anterior).

Essa necessidade, tão insistente, de atuar dessa maneira tem o seu lugar mais forte em mim na escrita. A cada palavra que escrevo, outra palavra surge impondo a necessidade da sua presença. E depois, isso ocorre com outra palavra e outra e outra. E essas palavras, sedutoras, vão me convencendo que devem entrar nos meus textos e que outras devem sumir. E o mesmo ocorre neste texto aqui, que estou agora, incessantemente, escrevendo, desescrevendo e reescrevendo...


Placitum



"Atuando, deixamos de lado – Não suporto, deveras, toda a moral que diz: “Não faças isso, não faças aquilo! Renuncia! Domina-te!...”. No entanto, aprecio a moral que me leva a fazer uma coisa e a refazê-la, a pensar nela de manhã à noite, a sonhar com ela durante a noite, e a não ter jamais outra preocupação que não seja fazê-la bem, tão bem quando somente eu posso entre todos os homens. A viver assim despojamo-nos, uma a uma, de todas as preocupações que não têm nada a ver com esta vida: vê-se sem ódio nem repugnância desaparecer hoje isto, amanhã aquilo, como folhas amarelas que o menor sopro solta da árvore; ou mesmo nem sequer se dá por isso, de tal modo o objetivo absorve, de tal modo o olhar se obstina em ver para diante, não se desviando nunca, nem para a direita nem para a esquerda, nem para cima nem para baixo. “É a nossa atividade que deve determinar o que deixamos de lado; e atuando, deixamos”, eis o que eu gosto, eis o meu próprio placitum (princípio)! Mas não tenho intenção de buscar com os olhos abertos o meu empobrecimento, não aprecio essas virtudes negativas que têm por essência a negação e a renúncia de si".

Nietzsche, em A Gaia Ciência.


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O bem e o mal


Você mesmo é um participante do mal, caso contrário não estaria vivo. O que quer que você faça é mau para alguém. Essa é uma das ironias de toda a criação.
Joseph Campbell - O Poder do Mito


Ao afirmar isso, Campbell não está sendo relativista nem dizendo que só nos resta ser passivos diante do mal que sofremos ou que causamos. Ao contrário, em seu texto, ao discutir sobre essa afirmação, Campbell aponta para outra conclusão: a de que devemos participar desta vida, tal como ela é: ao mesmo tempo horrível e maravilhosa. Mesmo que seja difícil afirmar isso sem reservas, mesmo que soframos, devemos tomar parte no jogo e fazer o melhor que pudermos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Uma pitadinha de lucidez




"...sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura."
Fernando Pessoa




Sou feita de palavras que já foram ditas antes, com alguma coisa de novo... sou feita de música e movimento... de coisas de cores indefinidas... de cheiros de sonho... de delírios, de devaneios... Eu não me alcanço, mas tento, todos os dias... Sou feita de vontades impossíveis e insensatas... É que o vento passa por mim e o sol brilha... E se um não passa, e se o outro não brilha, eu lembro que tenho memória, e eles estão lá! Ah, acho que também sou feita de uma pitatinha de lucidez...

Saudade do que ainda não aconteceu

"A tua saudade corta feito aço de navaia..."
Pena Branca e Xavantinho




A saudade não existe sem algum passado, sem alguma memória.
Mas ela existe também no presente, naqueles momentos em que algum fato extraordinário acontece e ficamos sabendo, no instante mesmo do seu acontecimento, que ele vai virar memória.
E, com muita freqüência, podemos observar a saudade transitando pelo futuro, nas mais mirabolantes projeções que construímos na nossa imaginação.
A saudade se alimenta de tempos diferentes, ela mistura presente, passado e futuro.
Já faz tempo que estou com saudade do que ainda não aconteceu...

- do meu novo trabalho; mal posso esperar para pôr as mãos na massa!
- da minha nova rotina: de horários, roteiros, pesquisas, viagens...
- do meu apartamento, que ainda não escolhi, mas vai ser lindo!
- do meu espaço para a solidão, sem ninguém por perto ou no meio de desconhecidos...
- de tantos amigos distantes: quantos verei novamente? quantos não verei mais?
- do meu irmão, que espero ansiosamente encontrar daqui a alguns meses!
- e do meu reencontro... não quero que fique no quase... será que vai acontecer?

No futuro, quero voltar aqui e escrever que senti saudade disso tudo, nos seus instantes mágicos de presente...

sábado, 23 de janeiro de 2010

Identidade





Há uma história maravilhosa sobre o deus da identidade, que disse: "Eu sou". E assim que disse "Eu sou", teve medo. Porque passou a ser uma entidade no tempo. Então pensou: "De que poderia ter medo, se sou a única coisa que existe?" E assim que o disse sentiu-se solitário, e quis que houvesse outro, ali, e então sentiu desejo. Aí cindiu-se, dividiu-se em dois, tornou-se macho e fêmea, e originou-se o mundo.

Joseph Campbell - O Poder do Mito


Saudade de mim



quero um dia ensolarado de mar sem fim
entrar na água, pular, gritar, rir, chorar
sem olhares, sem passantes, sem rumores
quero matar a saudade de mim

quero deitar na areia com o corpo salgado
dormir, acordar e seguir novamente pro mar
depois caminhar com o coração descansado
e deixar a saudade dos outros voltar